Maria Almira Medina na Casa das Cenas na Vila Velha Sintra |
Em espectral viagem, partida, sabendo a serra ao lado, a milenar guardiã e larvar berço de lendas e histórias, de mouros e cristãos, visionários reis e viajantes, aristocratas e feiticeiros, espantados com o renovado verde, em presépio aninhando casas, palácios, fontes e miradouros. Em volta batem ritmos e matizes, surpresas e ilusões, alunos chegam para a escola que recomeça, funcionários para o serviço, senhoras para as compras, reformados para o jardim, agrilhoados contribuintes a prestar o dízimo e utentes contando cêntimos para pagar a água.
Fugindo da selva de intrusivos carros e denudados arrumadores, é a Partida para Shangri-La, deixando para trás os anzóis do Brancana e os seguros do Catarino, a garagem agora azul, a Ideal e o prateado Faria, antes da Vila e dos skaters invadindo a Estefânea da Marrazes e Simões, do Tirol e Monserrate, dos chineses dos alguidares e das velas, e também dos bancos, essas casas de usura predadoras dos fracos.
O Carlos Manuel do povo fechou, e, aristocrático, vestiu roupa nova, casa de ópera e Cadaval, desaparecida plateia de filmes a cinco escudos, do John Wayne ou Cantinflas. E também de Maria João Fontaínhas e Alvim, operários da cultura do tempo em que não era proibido sonhar. Também o casino fechou, sinuosa roleta o entregou em tempos a coleccionadores de metal agora debandados, pálido e amarelecendo.
No trilho da vila, chamado pelo silvar ventoso e perfumado da serra, a Correnteza, miradouro e varanda, parapeito de amores e de pombos, do Larmanjat ninguém já lembra, ondulante e inseguro. Como sempre, passam turistas e mirones, a descobrir o éden terreal, e rostos de muitas estações, baptizados e funerais, festas do cabo e da vila, cúmplices envelhecendo com a serra, fria no Inverno e cacimbada no Verão.
A viagem espectral aproxima-se do burgo, ecoa o som cadente dos cavalos, pretérita lembrança de reis e burgueses, de Maias e Calisto Elói, de Garrett e Zé Alfredo, Anjos Teixeira ou M.S.Lourenço. Vernacular, o torreal município é porta de entrada e fronteira, o leão de pedra o guardião, palpitantes os sentidos à vista da miríade encantada, a curva do Duche, o canelado odor da Sapa, o Valenças e as mansões, a água da fonte mourisca, jorrando cristalina. E o Grande Maior, da feiticeira Llansol, as camélias de Nunes Claro, o Carvalho da Pena cavalgando as nuvens, druida e fauno da serra e dos lagos.
Ofegante chega enfim a vila, utópico altar, lusitano reino dum palpável Parnasso. Não se vêm, mas escutam-se, Maria Almira, Rui Mário, Jorge Menezes, generosos actores de muitas gerações, danças medievais e bailes das camélias, os vitoriosos patins de Raio e Cipriano. E gulosos se saciam os sentidos com segredos de açúcar em orgias do paladar, à sombra tutelar do Paço.
Apurados os sentidos, a escadaria enfim, para hipnotizados mirar o castelo e invisíveis ogres lançando caldeirões de azeite, catalépticas bruxas invadindo a noite em invisíveis vassouras, e em ruidoso silêncio, escutar os passos dum rei prisioneiro, o ecoar das festas joaninas, Camões lendo para o jovem rei alucinado, a condessa d’Edla e Viana da Mota, acorrendo ao repicar do sino em S. Martinho.
Invisíveis faunos e visíveis heróis, incensados e perdidos, esperançosos e idealistas, tomam lugar enfim no camarote do Tempo, escoltados pela Nação dos Pássaros, as camélias e as fontes todos abraçam, anunciando o lauto festim da noite, à sombra da argêntea Lua.É Cynthia e o seu sortilégio.
Fugindo da selva de intrusivos carros e denudados arrumadores, é a Partida para Shangri-La, deixando para trás os anzóis do Brancana e os seguros do Catarino, a garagem agora azul, a Ideal e o prateado Faria, antes da Vila e dos skaters invadindo a Estefânea da Marrazes e Simões, do Tirol e Monserrate, dos chineses dos alguidares e das velas, e também dos bancos, essas casas de usura predadoras dos fracos.
O Carlos Manuel do povo fechou, e, aristocrático, vestiu roupa nova, casa de ópera e Cadaval, desaparecida plateia de filmes a cinco escudos, do John Wayne ou Cantinflas. E também de Maria João Fontaínhas e Alvim, operários da cultura do tempo em que não era proibido sonhar. Também o casino fechou, sinuosa roleta o entregou em tempos a coleccionadores de metal agora debandados, pálido e amarelecendo.
No trilho da vila, chamado pelo silvar ventoso e perfumado da serra, a Correnteza, miradouro e varanda, parapeito de amores e de pombos, do Larmanjat ninguém já lembra, ondulante e inseguro. Como sempre, passam turistas e mirones, a descobrir o éden terreal, e rostos de muitas estações, baptizados e funerais, festas do cabo e da vila, cúmplices envelhecendo com a serra, fria no Inverno e cacimbada no Verão.
A viagem espectral aproxima-se do burgo, ecoa o som cadente dos cavalos, pretérita lembrança de reis e burgueses, de Maias e Calisto Elói, de Garrett e Zé Alfredo, Anjos Teixeira ou M.S.Lourenço. Vernacular, o torreal município é porta de entrada e fronteira, o leão de pedra o guardião, palpitantes os sentidos à vista da miríade encantada, a curva do Duche, o canelado odor da Sapa, o Valenças e as mansões, a água da fonte mourisca, jorrando cristalina. E o Grande Maior, da feiticeira Llansol, as camélias de Nunes Claro, o Carvalho da Pena cavalgando as nuvens, druida e fauno da serra e dos lagos.
Ofegante chega enfim a vila, utópico altar, lusitano reino dum palpável Parnasso. Não se vêm, mas escutam-se, Maria Almira, Rui Mário, Jorge Menezes, generosos actores de muitas gerações, danças medievais e bailes das camélias, os vitoriosos patins de Raio e Cipriano. E gulosos se saciam os sentidos com segredos de açúcar em orgias do paladar, à sombra tutelar do Paço.
Apurados os sentidos, a escadaria enfim, para hipnotizados mirar o castelo e invisíveis ogres lançando caldeirões de azeite, catalépticas bruxas invadindo a noite em invisíveis vassouras, e em ruidoso silêncio, escutar os passos dum rei prisioneiro, o ecoar das festas joaninas, Camões lendo para o jovem rei alucinado, a condessa d’Edla e Viana da Mota, acorrendo ao repicar do sino em S. Martinho.
Invisíveis faunos e visíveis heróis, incensados e perdidos, esperançosos e idealistas, tomam lugar enfim no camarote do Tempo, escoltados pela Nação dos Pássaros, as camélias e as fontes todos abraçam, anunciando o lauto festim da noite, à sombra da argêntea Lua.É Cynthia e o seu sortilégio.
Nota: Este texto é dedicado à memória de Raimundo Bulhão Pato, desaparecido do mundo dos vivos em 24 de Agosto de 1912, fez agora 100 anos.
Saudações Amigas do
Fernando Morais Gomes
Fernando Morais Gomes
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