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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Sintra Memória

Se a memória de Sintra, fosse escrita por faunos, druidas e carpins ou outros ente-deuses do monte da Lua, tudo seria poesia, tudo seria harmonia. Tudo seria vivificado e comtemplado. Mas, entre isso e coisa nenhuma, é bem melhor um texto com dedicatória e à memória de R. Bulhão Pato e de todos os que em cena visitaram esta Sintra Deambulada do Fernando. Obrigado amigo.
Maria Almira Medina na Casa das Cenas na Vila Velha Sintra
Sintra Deambulada
Em espectral viagem, partida, sabendo a serra ao lado, a milenar guardiã e larvar berço de lendas e histórias, de mouros e cristãos, visionários reis e viajantes, aristocratas e feiticeiros, espantados com o renovado verde, em presépio aninhando casas, palácios, fontes e miradouros. Em volta batem ritmos e matizes, surpresas e ilusões, alunos chegam para a escola que recomeça, funcionários para o serviço, senhoras para as compras, reformados para o jardim, agrilhoados contribuintes a prestar o dízimo e utentes contando cêntimos para pagar a água.
Fugindo da selva de intrusivos carros e denudados arrumadores, é a Partida para Shangri-La, deixando para trás os anzóis do Brancana e os seguros do Catarino, a garagem agora azul, a Ideal e o prateado Faria, antes da Vila e dos skaters invadindo a Estefânea da Marrazes e Simões, do Tirol e Monserrate, dos chineses dos alguidares e das velas, e também dos bancos, essas casas de usura predadoras dos fracos.
O Carlos Manuel do povo fechou, e, aristocrático, vestiu roupa nova, casa de ópera e Cadaval, desaparecida plateia de filmes a cinco escudos, do John Wayne ou Cantinflas. E também de Maria João Fontaínhas e Alvim, operários da cultura do tempo em que não era proibido sonhar. Também o casino fechou, sinuosa roleta o entregou em tempos a coleccionadores de metal agora debandados, pálido e amarelecendo.
No trilho da vila, chamado pelo silvar ventoso e perfumado da serra, a Correnteza, miradouro e varanda, parapeito de amores e de pombos, do Larmanjat ninguém já lembra, ondulante e inseguro. Como sempre, passam turistas e mirones, a descobrir o éden terreal, e rostos de muitas estações, baptizados e funerais, festas do cabo e da vila, cúmplices envelhecendo com a serra, fria no Inverno e cacimbada no Verão.
A viagem espectral aproxima-se do burgo, ecoa o som cadente dos cavalos, pretérita lembrança de reis e burgueses, de Maias e Calisto Elói, de Garrett e Zé Alfredo, Anjos Teixeira ou M.S.Lourenço. Vernacular, o torreal município é porta de entrada e fronteira, o leão de pedra o guardião, palpitantes os sentidos à vista da miríade encantada, a curva do Duche, o canelado odor da Sapa, o Valenças e as mansões, a água da fonte mourisca, jorrando cristalina. E o Grande Maior, da feiticeira Llansol, as camélias de Nunes Claro, o Carvalho da Pena cavalgando as nuvens, druida e fauno da serra e dos lagos.
Ofegante chega enfim a vila, utópico altar, lusitano reino dum palpável Parnasso. Não se vêm, mas escutam-se, Maria Almira, Rui Mário, Jorge Menezes, generosos actores de muitas gerações, danças medievais e bailes das camélias, os vitoriosos patins de Raio e Cipriano. E gulosos se saciam os sentidos com segredos de açúcar em orgias do paladar, à sombra tutelar do Paço.
Apurados os sentidos, a escadaria enfim, para hipnotizados mirar o castelo e invisíveis ogres lançando caldeirões de azeite, catalépticas bruxas invadindo a noite em invisíveis vassouras, e em ruidoso silêncio, escutar os passos dum rei prisioneiro, o ecoar das festas joaninas, Camões lendo para o jovem rei alucinado, a condessa d’Edla e Viana da Mota, acorrendo ao repicar do sino em S. Martinho.
Invisíveis faunos e visíveis heróis, incensados e perdidos, esperançosos e idealistas, tomam lugar enfim no camarote do Tempo, escoltados pela Nação dos Pássaros, as camélias e as fontes todos abraçam, anunciando o lauto festim da noite, à sombra da argêntea Lua.É Cynthia e o seu sortilégio.
Nota: Este texto é dedicado à memória de Raimundo Bulhão Pato, desaparecido do mundo dos vivos em 24 de Agosto de 1912, fez agora 100 anos.
Saudações Amigas do
Fernando Morais Gomes

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